Desastre das chuvas em Pernambuco completa um ano com 134 mortes e nenhuma responsabilização

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A definição de chuva não traz, em si, uma relação com um desastre. É um fenômeno natural, incontrolável. Mas, em Pernambuco, virou o prenúncio da tragédia. Como há exato um ano, em 28 de maio de 2022, o ápice do que se tornaria o maior desastre urbano do século no Estado – com 134 mortes sem nenhuma responsabilização.

A madrugada de precipitação intensa escancarou a desigualdade social da Região Metropolitana do Recife. Do alto dos apartamentos, via-se, pelas televisões, as imagens das populações ribeirinhas sendo inundadas e dos morros das cidades indo abaixo. Cenas que, de tão chocantes, foram parar no noticiário nacional e internacional.

Mas não foi uma surpresa; ou não deveria ter sido. Meses antes, a Agência Pernambucana de Águas e Climas (Apac) havia previsto que a precipitação seria mais intensa que o normal durante o período chuvoso no litoral do Estado – que ocorre entre abril e julho. Mesmo assim, o poder público não preparou uma estrutura de alerta e acolhimento.

Então, a previsão se cumpriu, e o desalento veio. Só no Recife, o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) calculou que chegou a chover 551 milímetros durante cinco dias – 140 milímetros a mais que a média do mês de maio.

Com isso, mais de 130 mil pessoas foram afetadas no Estado – entre mortos, desabrigados, desalojados e gente que perdeu tudo o que tinha pelos alagamentos dentro de suas casas. Abrigos improvisados foram criados, às pressas, para direcioná-los.

As quedas de barreiras deixaram 123 vítimas em Jaboatão dos Guararapes (62), Recife (50), Camaragibe (7), Olinda (3) e Limoeiro (1), situadas em áreas de risco. Outros nove cidadãos morreram afogados em Olinda (3), Recife (2), Jaboatão (2), Paulista (1), Iati (1), mais um foi eletrocutado, em Jaqueira, e outro foi vitimado por um desabamento, em Bom Conselho.

Consequências que chegaram a uma parcela da população de classe social, raça e localização definida. O dossiê popular “Uma tragédia anunciada”, lançado no último ano por diversas organizações sociais, revelou que 60% das áreas mais atingidas foram favelas ou assentamentos precários cuja população é majoritariamente negra (84%).

Atingidas, sobretudo, pelo déficit habitacional de Pernambuco, que leva 207 mil pessoas (13,4% da população) a viverem em áreas de risco no Recife e 188 mil (29,2%) em Jaboatão – não por escolha, mas pela falta.

“É um ciclo de vulnerabilidade que se repete e é imposto a pessoas, e que se soma a diversas outras situações que são violações de direitos humanos”, definiu Mohema Rolim, gerente de programas da Habitat pela Humanidade Brasil.

E se a prevenção ou a solução não foi feita pelos altos custos, estes vieram após as chuvas.

O Governo de Pernambuco desembolsou R$ 142,8 milhões a serem distribuídos a 98 mil famílias que perderam bens durante as chuvas e ganharam R$ 1,5 mil cada. Outras também foram incluídas em programas de auxílios-moradia municipais – que não passam de R$ 300 mensais.

São valores que, sobretudo, não bancam o preço alto da negligência urbana, nem tira ninguém do risco.

Por isso, relembrar a tragédia, neste domingo (28), é impedir que as vidas perdidas, os sonhos interrompidos e o luto não processado de famílias ainda em vulnerabilidade sejam jogados ao acaso. E, pelos 134 mortos, jamais deixar que predomine a narrativa de que as perdas foram acidentes.

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